No lugar onde eu nasci, tive a oportunidade de crescer em um ambiente onde sempre estava brincando do lado de fora com meus amigos. E isso foi precioso. Hoje, além de muitos outros fatores e combinações familiares, como a violência nas grandes cidades, as crianças ficaram com pouca liberdade, e não tem tanta autonomia. Brincam no play, quando tem, ou ficam em casa. Nós, pais, precisamos trabalhar e não temos como dar tanta atenção e levá-los para brincar em uma praça ou algo assim.
Os tempos eram diferentes no momento que nasci, não tinha tanta tecnologia também, a TV não tinha atrativo. Precisávamos inventar e usávamos o ócio e o tédio para isso. Quando eu ficava em casa com meus irmãos, sempre arrumávamos confusão e minha mãe mandava a gente ir brincar lá fora. Eu ia para a rua, chamava meus amigos, sentávamos em algum lugar, conversávamos um pouco e de repente estávamos em alguma brincadeira. Uma criança tem muita energia e gastá-la em um espaço confinado é complexo. O tédio impera, ou quem está em casa enlouquece, com o corre corre, barulhos, gritos e etc.
Entram as “telas”. Celulares, Tablets, computadores e TVs. Tudo acontece de forma rápida, para consumo rápido, com muitas cores, sons e músicas. As crianças já nascem em meio a essas tecnologias. Desde bebês eles nos olham grudados em nossas próprias telas. É natural que sintam uma atração muito grande por elas também. Quando eu era criança, tínhamos um computador que era da família, e nós podíamos usar quando meu pai não estava trabalhando. Internet veio quando eu já era adolescente e só usávamos à noite pois ocupava a linha telefônica e pagávamos pelo uso.
As telas se tornar uma fuga para as crianças – e muitas vezes um descanso para os pais. Elas ficam quietas. Se vamos a um restaurante e precisamos comer: “dá o celular pra ele/ela, para termos um minuto de paz”. E seguimos nessa loucura que é a paternidade/maternidade.
Este excesso de tela é prejudicial. Já está bastante claro que um tempo muito grande nelas prejudica o desenvolvimento das crianças – e nos adultos também atrapalha bastante, não o desenvolvimento, mas a concentração . Estas telas são prejudiciais para todos, mas especialmente para crianças. Problemas no sono, problemas de postura, problemas de saúde (ansiedade, depressão, autoestima – com as redes sociais), problemas no desenvolvimento cognitivo, problemas de visão.
Precisamos criar alternativas para eles. O que eles mais precisam, e desejam, é contato – de preferência – com a gente, os pais. Contato de qualidade, estando presentes com eles. Só isso já melhora muita coisa para as crianças. E podemos adicionar levá-los a um parque, uma praça.
Em contra ponto aos os problemas causados pela tela, o contato com a Natureza atenua todos eles. Só de estar presente em um ambiente natural, já faz bem para a criança. No dia a dia é difícil manter isso, mas não é impossível. Acredito que precisamos buscar esses momentos de contato sincero com as crianças, de preferência em ambientes naturais.
O modo como nossa sociedade se organizou não favorece mantermos contato de qualidade com nossos filhos, estamos sempre trabalhando. Quando não estamos trabalhando, estamos cansados. E, na maioria das vezes, cansados por conta do nosso excesso de tela de também. E tudo isso vai nos deixando atordoados, estressados e sem conseguir enxergar as coisas com clareza.
Saber dosar os tempos de tela, com brincadeiras onde usem a imaginação é muito importante para eles. Não é fácil, com todos os amigos nas telas também, manter uma relação saudável com elas. Mas acredito que a proibição também não é boa. Já vi crianças que não tinham TV em casa, sentadas em frente a TV desligada, e quando a TV ligava sabiam todos os números do canais e a programação de cor. Já vi crianças que não podiam comer açúcar, escondidas com os amigos tampando elas para poderem se entupir de doce sem os pais verem. Tudo para os pais não brigarem com elas. Por essas experiências, acredito que o acesso controlado é importante. As tecnologias estão no mundo e servem para muita coisa boa – não só ruim – se soubermos usar elas com parcimônia. E, se pensarmos com clareza, soa um pouco hipócrita, dizer que a criança não pode fazer uma coisa que nós mesmos fazemos o tempo todo. Devemos praticar o que pregamos. Os exemplos que damos com ações são, na maioria da vezes, melhores do que os que damos com palavras. Isso lembra uma história do Gandhi.
Uma mãe levou seu filho pequeno para ver Gandhi, depois de viajar uma longa distância. Ela pediu: “Por favor, Mahatma Gandhi, diga ao meu filho para parar de comer tanto açúcar. Ele ouve muito o senhor.”
Gandhi pensou por um momento e respondeu: “Por favor, volte daqui a duas semanas.”
A mãe, embora confusa, aceitou e voltou com seu filho depois de duas semanas. Desta vez, Gandhi olhou para o menino e disse gentilmente: “Pare de comer tanto açúcar. Não é bom para sua saúde.”
A mãe, agradecida mas curiosa, perguntou: “Mahatma-ji, por que o senhor não podia ter dito isso há duas semanas?”
Gandhi respondeu: “Minha senhora, há duas semanas eu mesmo estava comendo muito açúcar. Eu precisava parar primeiro antes de pedir a seu filho que fizesse o mesmo.”
Nada na vida é tão simples, aqui em casa nós lutamos muito com isso. Mas a verdade é que se todos pudéssemos mandar as crianças irem brincar um pouco lá fora, tudo seria mais fácil. Para nós e para elas.