Em 2014 eu disse para minha esposa, Fernanda: “Vamos sair do Rio de Janeiro, vamos morar em Paraty?”. Na época eu estava trabalhando freneticamente e me sentia cansado o tempo todo e sem vontade de fazer as coisas. Tudo me irritava e me consumia. Eu queria morar em um lugar mais calmo e dar uma vida diferente para os meus filhos. Era o que eu poderia mudar na minha rotina.
Eu trabalho com desenvolvimento de sistemas e trabalhava, na época, somente 2 dias presencialmente, seria possível pular fora. A Fernanda topou. O desejo de ter uma vida mais tranquila em um lugar menor não era novo, era algo que sempre conversávamos.
Desistimos de Paraty e escolhemos Teresópolis, região serrana do estado do Rio de Janeiro. Teresópolis fica mais perto da cidade do Rio, já que eu precisaria toda semana ir para lá. Fizemos algumas viagens para lá e em meados de 2015 nos mudamos. A vida parecia melhor, vivíamos em meio a natureza, as crianças tinham mais liberdade e no final de semana passeávamos pelas montanhas e cachoeiras da região. Mas o trabalho ainda me fazia muito cansado, longas horas, noite à dentro e prazos difíceis, e sempre mais trabalho.
Eu trabalhava há quase 10 anos na empresa, as coisas evoluíam muito rápido por lá. Eu sempre gostei do que faço, e nessa época, quando eu não estava trabalhando, eu estava estudando, lendo algum livro técnico ou fazendo algo relacionado ao trabalho. Naquele momento eu não encarava como “trabalho”, eu estava estudando algo que eu gostava e evoluindo profissionalmente. E isto refletia na carga de trabalho que eu recebia no dia a dia. Eu dava as ideias e implementava, nunca tive medo de trabalhar, de me dedicar. Isto não se transformava em promoções ou avanços salariais, mas eu fazia mesmo assim. Eu tentava mostrar meu trabalho trabalhando. Abaixava a cabeça e mandava ver.
Com o tempo isso foi me incomodando. Em 2016, estava voltando do trabalho para Teresópolis de moto, e quando estava passando pela linha vermelha, houve um tiroteio. Precisei descer da moto, me esconder atrás de uma pilastra e ficar um tempo ali parado. Junto com centenas de outros cariocas voltando para casa. Quando eu subi na moto e recomecei o trajeto, depois que passei do sufoco, eu fiquei me perguntando o motivo de estar trabalhando onde trabalhava, onde estava indo com a minha vida.
As coisas iam acumulando uma em cima da outra e eu não conseguia pensar direito. Até que a raiva que eu sentia de tudo foi saindo e dando lugar a uma apatia e uma melancolia perene. Eu estava tão cansado e sem energia, que não saía muito final de semana, não queria fazer nada, nem sair com a família ou os amigos. Estava com a minha imunidade baixa, ficava doente o tempo todo. E os dias iam passando, e eu era praticamente um telespectador da minha própria vida, agindo no automático. Depois do incidente na linha vermelha, eu decidi que ia pedir as contas e ia pensar no que ia fazer. Não tinha nenhum plano, não procurei outro emprego, foi um impulso, algo que precisava ser feito. Continuar naquela situação não era mais possível.
Final de 2016 eu pedi as contas. O alívio de sair daquela situação foi imediato. Conversei muito com a Fernanda, para decidirmos juntos o que faríamos dali em diante. Ela me apoiou 100% e falei de tirar um ano para não trabalhar. Eu não conseguia sentar em frente a um computador. Quando eu me sentava na cadeira em frente a ele, já me dava um sentimento ruim e logo eu saía.
Queria colocar a cabeça no lugar e ver para onde seguiríamos com a vida. Eu não tinha reconhecimento do que eu tinha, do que eu sentia. Eu só queria não fazer mais as coisas do jeito que eu vinha fazendo. Não ser um escravo de um relógio, não estar sempre atrasado, ter tempo para concluir as coisas, com capricho, ter mais prazer em qualquer tarefa que eu fosse fazer. Em retrospecto eu acho que deveria ter buscado ajuda, mas eu sentia que o contato com a Natureza e uma vida em sintonia com os ritmos naturais da vida me ajudariam.
A Natureza sempre foi um refúgio para mim. Um lugar onde eu sempre me senti à vontade com ela e comigo mesmo. Um templo. E a minha vontade era viver o ritmo dela. Como estávamos vendendo nosso apartamento no Rio, sugeri que usássemos parte da grana para viajarmos para lugares que sempre tivemos vontade e expor mais a família ao mundo natural.
No final de 2016, subimos com as crianças em nosso carro e fomos em direção ao Ushuaia, na Argentina. Ainda sem saber muito o que faríamos. Chegamos ao Ushuaia e subimos até o deserto do Atacama, cortando por toda a Patagônia. Esta experiência foi indescritível. Chegar na cidade mais ao sul do continente, andar em meio a pinguins, assistir a lobos marinhos descansando. Para as crianças foi precioso demais. Do Atacama voltamos pra casa.
Ficamos alguns meses em Teresópolis, para as crianças irem à escola e em Junho de 2017 saímos novamente e seguimos para o rio Grande do Norte, descobrimos lugares maravilhosos pelo Brasil e descemos pelo litoral até o rio novamente. Foi um reinício e uma coisa necessária para mim. Coloquei as coisas em perspectiva e consegui entender os processos internos que estavam acontecendo.
Tive bastante tempo para refletir. Tudo que eu passei, toda a minha ingenuidade em relação ao trabalho, toda a fantasia vendida como certa pela sociedade. Toda essa busca por coisas que, no fim, não faziam diferença na minha vida. Nunca foi o que eu quis, sempre foi algo que eu “precisava” fazer, mas algo que vinha de fontes externas.
Em 2018 as coisas estavam diferentes e eu voltei a trabalhar. Minha relação com o trabalho tinha mudado. Eu tinha mudado. Hoje tenho uma relação completamente diferente com o meu trabalho. E quase 5 anos depois eu entendi que o processo que eu vivi foi de burn out. Silencioso. E sem informação. Na época eu não lia nada que não fosse técnico, e não conseguia entender os processos que estava passando.
Depois de passar por esse processo traumático, eu aprendi algumas coisas. E as mais importante foram:
Separar o trabalho da vida pessoal
Eu encarava o trabalho como a minha vida. E tudo que eu fazia era em relação a ele. Meu sentimento era de que eu fazia tudo isso pela família. Mas a família era negligenciada, o que era motivo de muita discussão com a Fernanda. Com razão, pois eu não prestava atenção neles, a não ser como “provedor”, que é uma falácia.
Hoje meu trabalho é, simplesmente, o financiador do meu estilo de vida. Ele existe para permitir que eu possa viver a vida que eu quero, do jeito que eu quero. E o que eu quero é estar junto com a minha família e em contato com a Natureza.
Isso não quer dizer que eu não trabalhe bastante ou não dê a atenção devida ao trabalho. Agora eu consigo saber exatamente quanto do meu esforço vai nele. E eu faço questão de colocar um esforço de igual intensidade na minha vida, fazendo as coisas que eu gosto de fazer. O equilíbrio é tudo.
Observar o meu corpo
Hoje tenho muito mais consciência do que acontece comigo. Presto atenção diariamente em como me sinto, como meu corpo se sente. Nos dias atuais a ONU já reconhece o burnout como um problema que afeta a saúde e temos muito mais artigos e informações sobre ele, ou já tinha na época mas eu não prestava atenção.
Criei o hábito de escrever, que me ajuda diariamente a entender os meus processos internos, e me dá muita clareza do caminho que estou seguindo e do que estou sentindo. Isso ajuda muito a manter a minha saúde mental em dia.
Ter Hobbies, vários
Hobbies me ajudam a tirar a cabeça do trabalho e focar a minha energia e atenção em coisas que me deixam animado e com vontade de saber/fazer mais. Pedalar, remar de SUP, fotografia e gravação de vídeos são coisas que eu comecei a fazer e me ajudam demais. Eu amo filmar, apesar de não mostrar para ninguém (meus amigos que o digam rsrsrsrs). E não me importo que ninguém veja o que eu crio, eu simplesmente gosto de fazer, e eu faço. Resumindo, hobbies ajudam no equilíbrio trabalho/vida pessoal.
Buscar ajuda profissional
Hoje percebo que tudo teria sido menos traumático se eu tivesse buscado ajuda. Poderia ter me programado melhor para a minha pausa. Poderia não ter tomado algumas atitudes drásticas e sem pensar. E mais importante, provavelmente eu teria outro imóvel agora.
Tudo acontece como acontece, e não me arrependo. O que vivi transformou minha vida para melhor. Mas com ajuda, podemos fazer uma transição mais suave
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O Burnout é algo muito sério, e acredito que a gente só percebe o que tem quando a situação já está crítica. A vida está cada vez mais corrida, mais performance, mais produtividade, etc. E as coisas vão se acumulando. Quando vemos, já estamos no olho do furacão. Este relato é um chamado para que você faça uma análise e veja se não está entrando neste buraco. Se estiver, procure ajuda, chame um amigo para conversar, me chame para conversar.
Fique bem.