O despertador me acorda antes do sol. É outono e a temperatura é baixa – para uma cidade litorânea. Separo água, remo, sup, colete e algo para comer. Sigo pelas ruas de terra que separam minha casa, da praia do Jabaquara em Paraty. Chego na praia e o sol ainda está escondido atrás das montanhas, mas já pinta o céu de vários os matizes, desde o rosa até o azul.
A maré está baixa e alguns caranguejos estão se alimentando pelo mangue. Sigo caminhando para o lado direito da praia, até o mangue dar um espaço e eu conseguir entrar remando com a prancha. A praia está vazia, exceto pelos pássaros que se alimentam na beira. Os quiosques estão fechados, as ruas vazias e nenhum vento perturba a quietude do momento.
Apoio a prancha e as coisas na areia e começo a me preparar para entrar no mar. O céu já mudou de cor e tem um pouco mais de claridade, mas o sol continua escondido. Paro alguns minutos para apreciar o momento e começo a juntar as coisas para sair. Coloco estrepe na prancha e no tornozelo, ponho o colete e junto as coisas que não podem molhar dentro do saco estanque. Começo a pensar em qual rumo vou seguir.
O mar é diferente da terra, nele podemos seguir para onde bem entendermos e ninguém – além da Natureza e dos nossos limites – pode nos impedir. Neste momento eu posso remar até a África, se assim desejar, e tiver forças claro. Este sentimento é libertador. Sem fronteiras, barreiras ou divisões imaginárias. Como deveria ser o mundo. Escolho seguir para o forte da tapera. Entro no mar com a água refletindo as cores do céu e rumo para direita.
A água está pristina e o único barulho que ouço é o do remo entrando e saindo. Ocasionalmente escuto o barulho de um peixe pulando aqui e ali. Alguns minutos remando e o sol começa a aparecer, e o mar começa a refletir o dourado. Diversos pássaros sobrevoam o mar e mergulham para pegar seu alimento. Cruzo o limite da praia do Jabaquara, passando pelo forte Defensor perpétuo e começo a ver a praia do pontal, à direita, e um pedaço do centro histórico.
Alguns pescadores, em suas traineiras e canoas, estão no mar jogando suas redes. Sigo em direção a ilha duas irmãs. Começo a ver a silhueta da cidade atrás de mim enquanto sigo remando. Este silêncio e esta calma são ótimos para reflexão, consigo colocar os pensamentos em dia. Em ambientes naturais, como esse, me sinto em estado meditativo, contemplativo e completamente a vontade. Esqueço todos os problemas do cotidiano e consigo enxergar as coisas com mais clareza. Pondero os caminhos que a sociedade tomou, levando a uma vida desconectada dos ambientes naturais. Penso na falta que isso faz na vida das pessoas e elas nem percebem por estarem absortas na correria do dia a dia. Agradeço – mais uma vez – por ter tomado decisões diferentes do comum. e ter o privilégio de poder vivenciar isto na minha rotina.
Passo pela esquerda da ilha duas irmãs, onde tem uma mini ilha formada por pedras e algumas árvores. Diversos biguás descansam nos galhos destas árvores. A conversa entre eles quebra o silêncio, de uma maneira agradável. Neste momento mudo o curso, e sigo na diagonal para cruzar o canal. O canal, do lado direito da baía de Paraty, é por onde os barcos costumam passar. Todas as marinas e o cais estão deste lado. Algumas épocas centenas de barcos cruzam este canal levando centenas de turistas para conhecer as belezas das praias e ilhas da região. o que deixa o trajeto um pouco perigoso para um sup, nessas épocas.
Neste horário da manhã todos dormem e o canal é praticamente meu, a não ser por alguns poucos barcos trazendo pessoas da região costeira para a cidade. Atravesso o canal e próximo à margem direita da baía, chego a praia do forte da tapera. Águas claras e animais marinhos compõem a entrada da praia. Virada de frente para a cidade, a curta praia está na sombra neste momento. Um breve caminho no final da praia leva ao topo do morro onde está o forte.
Do topo vejo toda a baía de Paraty, resplandecente a minha frente. O frescor do sol começa a ser sentido na pele e as longas sombras começam a dar lugar ao transparente azul do mar. Tomo um pouco de água e imagino tempos idos, onde o forte estava na ativa e defendendo a cidade contra piratas e corsários. Percebo novamente o privilégio de morar nestas terras, quando olho a minha volta e a Natureza está intocada e exuberante. Vejo a mata atlântica beijando o mar. Desço a trilha de volta e sigo uma bifurcação à esquerda que leva ao outro lado, desta ponta que é o forte. Não tem praia, são apenas pedras. Observo o mar, e através da água clara, vejo estrelas do mar e tartarugas nadando calmamente.
Olho o relógio e percebo que o tempo passou mais depressa do que estava imaginando e volto ao ponto de chegada para começar o caminho de volta. Coloco o SUP no mar, subo nele e me despeço, fazendo um caminho um pouco diferente para voltar.
Sigo para a ilha da bexiga e a contorno pela direita, novamente a transparência do mar chama a atenção. Passo com bastante calma e prestando atenção ao fundo, sem pressa. Vejo toda sua diversidade marinha. A partir dali sigo remando diretamente para o Jabaquara, sempre apreciando a cidade que segue à esquerda. Vejo a igrejinha de nossa senha dos remédios e a igreja da Matriz. Percebo o canal cortando toda a cidade, com suas fileiras de palmeiras imperiais apontando para o céu. Mais alguns minutos, logo após a praia do pontal, chego de volta ao Jabaquara.
Muitas pessoas já estão acordadas, os quiosques estão abrindo, as barraquinhas de aluguel de caiaques e pranchas já estão chegando à praia, e a vida começa. Volto pelas estradas de terra até a minha casa. Meus filhos já estão acordados e terminando o café, arrumando o material para ir a escola. A casa está cheia de vida. Me despeço deles, tomo um banho, um café e começo o dia de trabalho com a cabeça tranquila e em paz, pronto para o que vier. E Já pensando em qual será o próximo destino.